Ética e Turismo na Era da Pós

Ética e Turismo na Era da Pós Verdade

 

Banalizou-se a expressão Pós-Verdade. Basicamente quer dizer que os factos deixaram de contar. Que a ciência está a ser desacreditada. Que cada um constrói a sua verdade. Que as fronteiras entre factos e opiniões deixaram de existir. Que qualquer coisa pode ser também o seu contrário. Ou seja, que as conquistas do Iluminismo, da Razão e da Ciência, numa era de informação sem precedentes, paradoxalmente, estão a produzir a ignorância e a ganância em massa. Que do melhor que a Humanidade construiu, assiste-se actualmente a um processo autofágico onde os criadores matam a sua criação, ou melhor os seus herdeiros traem despudoradamente esse maravilhoso legado, invertendo todas as premissas, de tal forma que hoje estamos perante metamorfoses (Beck, 2016) e não mudanças sociais. O impensável ontem, acontece hoje. Todos os dias.

Creio que muitas destas perturbantes metamorfoses se devem à desvalorização da Ética tanto na nossa vida quotidiana, na nossa relação com os outros, os próximos e os distantes, com o trabalho, com os animais, com a natureza e na relação com a cultura e as artes.

A Ética pressupõe a universabilidade e o papel justificativo da razão. Pressupõe o exercício de um raciocínio ético e o alargamento universal do interesse parcial (Singer, 2000). Ou seja, devo defender o meu interesse e o interesse dos que amo, mas bater-me para que esses interesses sejam universais. Exemplificando, se acho que eu e o meu filho merecemos muito mais que o salário mínimo pelo nosso trabalho, devo bater-me por isso, defendendo o alargamento desse princípio a nós e a todos os outros. Neste contexto, a maravilhosa indústria do turismo-quem não adora viajar, conhecer, experienciar?- tem um longo caminho a percorrer. Trata-se do sector em Portugal, com os salários mais baixos, 33% abaixo da média nacional, do sector com maior precarização, do sector onde a conciliação entre a vida pessoal e familiar é dos mais problemáticos. Do sector que mais pessoas faz felizes, os turistas e os viajantes, e mais pessoas condena à infelicidade, os seus preciosos trabalhadores que fazem do turismo a indústria extraordinária que é. Somos todos turistas. Os que temos a sorte de ser e os que querem sê-lo.

A Ética está fortemente relacionada com o Desenvolvimento Sustentável e com a Responsabilidade Social. No contexto do Desenvolvimento Sustentável só um dos três pilares, a vertente económica, criação de riqueza, cumpre em pleno o seu papel. Nas dimensões social e ambiental os problemas são múltiplos, desde as questões laborais à degradação ambiental, depredação de recursos e poluição massiva como se pode ver pelos exemplos da contribuição elevada para o agravamento das alterações climáticas ou a elevadíssima utilização de água ou ainda a poluição massiva dos cruzeiros.

Ao nível da Responsabilidade Social que basicamente quer dizer Fazer Bem e retornar à sociedade benefícios recebidos, porque as organizações públicas ou privadas beneficiam da sociedade envolvente, o percurso é ainda muito incipiente e traduz-se sobretudo nas dimensões legais (cumprimento de normativos ambientais, etc.) e filantrópicas numa dimensão muito reduzida. A proliferação de certificações de toda a natureza, sendo positiva, está muito longe daquilo que pretende comunicar e os conteúdos revelam-se muito aquém dos objectivos apregoados. Em síntese, pagamos todos um preço muito alto pelos baixos níveis de operacionalização das questões da Ética, do Desenvolvimento Sustentável e da Responsabilidade Social no Turismo. E nos outros sectores.

Iniciei este artigo de opinião com a questão da pós-verdade. Exactamente porque o esvaziamento dos conteúdos e a sua validação se têm vindo a tornar a norma. Este processo, perigoso e imprevisível, tem-se banalizado na esfera pública não só ao nível das redes sociais, mas nos meios de comunicação em geral, nos discursos de personalidades públicas, incluindo muitos dos ditos especialistas, numa voragem a que os sistemas educativos e a sociedade civil nas suas múltiplas organizações precisa de reflectir, intervir e inflectir. Trata-se, efectivamente,da necessidade de recolocar a Ética, a Razão e o Outro no centro dos debates.

 

Graça Joaquim

Professora da Eshte

Investigadora do Cies.Iscte.Iul