OPINIÃO - VICTOR ALVES AFONSO
Empreende(dor)ismo na ESHTE
Viviam-se os tempos pré-Bolonha, quando numa primavera de 2005 um grupo de alunos teve a ousadia de desafiar um docente da ESHTE com uma provocatória e disruptiva questão, que não andará longe disto: “Professor, gostávamos que nos ensinasse a construir planos de negócios, em vez de termos de fazer o trabalho de final de curso sobre um tema teórico que, por mais importante que seja, não nos motiva... grandemente!”.
Talvez tenha sido esse o gatilho para o surgimento do movimento empreendedor que se seguiu na ESHTE e que ainda hoje, felizmente, perdura no contexto académico, bem entendido! Note-se, por curiosidade, que não se tratou de algo imposto por despacho ou regulamento, partiu do lado da procura (estudantes) e não da oferta (escola). Quiçá possamos falar em processo co-criativo, tão em voga atualmente, pois foram os interessados e putativos destinatários, que expressaram a sua necessidade. A oportunidade foi aproveitada e a "coisa" nasceu! Não sei se Deus quis e o Homem sonhou (Fernando Pessoa), mas, de facto, a obra nasceu, de parto natural, sem epidural, e gerando alguma dor. Talvez não seja por acaso que as palavras “empreendedor” e “investigador” terminam em “dor”. Afinal, faz todo o sentido, pois trata-se de uma dor que deriva de alguém que arrisca, faz, se possível diferente, e sai da sua zona de conforto. Que maçada!
Mas por que razão é que a estruturação da oferta académica nos ciclos de estudos graduados só pode visar a produção de conhecimentos e de competências dirigidas para o exercício profissional por conta de outrem? Qual será a Superior Entidade que se arroga no direito de determinar a escolha do Indivíduo, condicionando-lhe, ao mesmo tempo, a liberdade individual e profissional? Não reconheço a sua existência, nem faz qualquer sentido!
Como docentes, temos a responsabilidade de estar cada dia mais preparados para a mudança - fator perene na nossa história de vida -, especialmente no que diz respeito às nossas atitudes profissionais e às das gerações que ajudamos a formar. Embora incorretamente, muitas mentes confundem Empreendedorismo com “ Empresarialismo”, pois trata-se de um domínio que não se confina aos criadores de empresas, também os docentes e não docentes, os alunos, podem e devem ser empreendedores se estiverem motivados para sair da tal zona de conforto, uma zona “porreira” que não promove a criação de nada de novo e que afugenta os que ousam pensar diferente e inovar, muito na linha dos comités centrais e diretórios de alguns partidos políticos! Acrescente-se a alegação de que o “sistema” é a raiz de todos os males e ainda aquela vetusta máxima muito utilizada pelos que não estão virados para... ‘puxar a carroça’: “Se não fizeres nada (de novo), ninguém te chateia...!” e temos um caldo de cultura deveras promissor! Bem, talvez a concorrência venha a importunar, mas depois, logo se verá. Além disso, o Estado tem a obrigação de nos garantir emprego!
Neste contexto, vem-me à memória a visível surpresa, em resultado de comentários que alguns colegas partilharam sobre o rebuliço provocado pelo Empreendedorismo no Conselho Científico de então. Pairava na cabeça de alguns membros desse órgão a incómoda possibilidade/ameaça de essa coisa do Empreendedorismo poder subtrair tempo de aulas aos alunos e, ainda por cima, vinda de um colega que, afinal, só queria protagonismo! Para contento meu, tal não se tem conseguido comprovar com a necessária significância estatística, sendo, assim, extensiva e gradualmente rejeitada a hipótese!
Já em 1990, Jeffrey Timmons referia que “[o] empreendedorismo é uma revolução silenciosa, que será para o século XXI mais do que a Revolução Industrial foi para o século XX” e poucos anos passados após o início deste movimento silencioso na ESHTE (foi tão silencioso que, aquando do Processo de Bolonha, não teve direito a ser contemplado com uma unidade curricular nos curricula dos novéis cursos), chegaram os resultados. Um dos nossos alunos ganhou o prémio nacional do Concurso de Empreendedorismo da Associação Nacional de Jovens Empresários com um conceito de estores fotovoltaicos para aproveitamento de energia solar nas habitações e nos hotéis. Em 2009, passámos a integrar uma nova “família” chamada Poliempreende – e os alunos da ESHTE, que competem com colegas de instituições congéneres com mais do dobro e do triplo de alunos, já ganharam 3 prémios a nível nacional. Terá sido obra do acaso? Não foi certamente!
É verdade que de concursos de empreendedorismo anda o país cheio e, por isso, não faltam oportunidades aos nossos alunos para dar azo à sua capacidade de inovar e empreender na hotelaria, na restauração e no turismo em geral. Não obstante, também não é menos verdade que os estímulos empreendedores instilados na ESHTE aos discentes germinaram, frutificaram e, sobretudo, ajudaram a compor uma nova atitude perante a profissão e a vida, mais proactiva, mais determinada e mais insurgente face ao estabelecido.
Como escreveu um amigo meu, evocandoFlorbela Espanca na sua obra Charneca em Flor, “ser empreendedor «é ter de mil desejos o esplendor» do futuro que se quer escrever e forjar, é «ser mais alto, é ser maior» como um poeta da inovação, «é ter cá dentro um astro que flameja» rompendo o cinzento das convenções, «é ter garras e asas de condor» levando-nos, livres, a perseverar na busca da satisfação, «é ter fome, é ter sede de infinito» por mais árdua e difícil que seja a caminhada. Ser empreendedor é, afinal e tal como um poeta, uma atitude perante a vida”.
A atitude não se aprende na escola, mas pode-se desenvolver nesse ambiente. Aliás, a juntar à generosa oferta de concursos que possibilitam aos nossos alunos conquistar prémios pecuniários e não só, associemos a parceria estabelecida há mais de uma década com a Agência DNA Cascais, na qual, em 2010, tiveram lugar as aulas da primeira edição da Pós-Graduação de Inovação e Empreendedorismo em Turismo. Esta formação avançada está na génese do novo Curso lançado este ano pela ESHTE, denominado Empreendedorismo e Negócios Turísticos, resultado da parceria com a DNA Cascais e o Instituto Politécnico de Setúbal.
Por outro lado, regista-se com agrado a emergência dos primeiros projetos da ESHTE no domínio científico (cofinanciados pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) e pelo programa Portugal2020), que trabalham a inovação e o empreendedorismo no Turismo, como é o caso do TARGET e do TOURFLY.
O artigo 79.º dos Estatutos da ESHTE menciona a criação do Centro de Investigação, Desenvolvimento e Inovação que, entre outros, integra o Núcleo de Empreendedorismo e Dinamização Empresarial. Este Núcleo tem por missão fomentar a inovação e o empreendedorismo através de ações direcionadas a estudantes, pessoal docente e não docente, empresários, gestores e qualquer pessoa ou equipa que tenha o sonho de criar ou fazer crescer a sua empresa, associação ou projeto de cariz empreendedor, na área do Turismo.
Acredito que, em termos formais, a escola possua os órgãos e os instrumentos para “trabalhar” a inovação e o empreendedorismo nas suas diversas vertentes, mas bastará regulamentar para que se cumpram os objetivos pré-estabelecidos? À semelhança do que se passa noutras organizações, é fundamental criar uma cultura que motive todos os intervenientes no processo e que recompense devidamente o esforço e o mérito alcançado.
Certa vez, li algo de autoria desconhecida, mas que subscrevo integralmente: “Existem três tipos de pessoas no Mundo: as que assistem ao que acontece, as que querem que aconteça, e o terceiro tipo de pessoas, as que FAZEM ACONTECER”.
Caro leitor, permita-me uma questão final: e você, que tipo de pessoa é ou quer ser ao longo desta curta viagem, mais ou menos turística, chamada VIDA, supostamente, sem direito de regresso?
Saudações Empreendedoras!
Victor Alves Afonso
Equiparado a Professor-Adjunto da Área Científica de Gestão
Membro do Núcleo de Empreendedorismo e Desenvolvimento Empresarial