Mudam-se os tempos

OPINIÃO - FERNANDO JOÃO MOREIRA 

 

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades

 

 

 

                                                                       Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,

                                                                       Muda-se o ser, muda-se a confiança;

                                                                       Todo o mundo é composto de mudança,

                                                                       Tomando sempre novas qualidades.

 

                                                                       Luís Vaz de Camões, in Sonetos

 

 

 

 

Um mundo novo bate-nos à porta, um mundo admirável e desconcertante. Um novo mundo composto de mudança e de incerteza, onde, entre encruzilhadas e revoluções cada vez mais díspares e frequentes, a razão será catapultada - em impulsos quânticos - para horizontes tão extravagantes e tão distantes que o coração dificilmente a acompanhará, tornando, muitos de nós, verdadeiros órfãos do tempo, quando não náufragos  da mente.

É, pois, neste quadro de vertigem - em que os amanhãs deixaram há muito de serem a continuidade remansosa dos “hojes” - que nos inserimos e que projectamos as nossas actividades e existências, sempre com maior necessidade de dialogar com o futuro, de antever rupturas e inflexões, não só para contornar, a tempo, os escolhos do devir, mas também, e sobretudo, para beneficiar das primícias que o admirável mundo novo gera e disponibiliza.

É assim nos amplos mares e nos estreitos córregos da realidade multidimensional e pluriescalar em que nos movemos e que compõe a tessitura de todas as actividades humanas, com expressão física ou metafísica, elaboradas ou comezinhas, independentes ou decorrentes. E porque é regra que não admite nem se confirma pelas excepções, seja o turismo, seja o ensino superior, seja a nossa instituição, exigem, de igual modo, uma inquietude constante, uma reinvenção continuada e uma ousadia intimorata. No caso específico da ESHTE, pelo passado enquanto instituição pioneira e de referência no seu domínio de acção, mas, acima de tudo,  pelo mundo de esperança que o seu futuro consubstancia, mais esses atributos assumem significado e pertinência. O sucesso assim o exige.

Sucesso da ESHTE, sucesso do ensino superior público, sucesso do turismo, sucesso do País, sucesso, enfim, de todos nós, os que cá estão, os que por cá passaram e, mormente, os que por cá estarão amanhã.

O admirável mundo novo será, igualmente, o do “Admirável Novo Turismo”. Um turismo em que as novas tecnologias - existentes e em vias de verem luz - marcarão o compasso da mudança. Um turismo virtualizado; um turismo em que os percursos se efectuarão, porventura no conforto do lar, por rotas que cruzarão o espaço, mas também o tempo. Um turismo que, mesmo na sua versão fisicamente presencial, disponibilizará experiências radicalmente diferentes a cada indivíduo, a cada constituinte do agregado familiar ou do grupo. Um turismo em que as barreiras físicas e linguísticas deixarão de existir. Em que o Mandarim ou o Hindi, provavelmente as línguas dominantes do futuro, serão transpostos automática e instantaneamente pelos mecanismos de tradução então disponíveis.

Mas, até esse horizonte turístico não tão distante, algumas mudanças intermediárias ocorrerão no caminho que unirá o presente ao futuro. A internet das coisas, os serviços baseados em geolocalização, a inteligência artificial, a realidade aumentada e virtual e a tecnologia blockchain serão vocábulos cada vez mais correntes no léxico científico e técnico do turismo. Em conjugação com todos os outros  aspectos que integram o segundo termo da grande equação do turismo - “high tech/high touch” - , darão azo à estruturação de uma oferta mais atraente, mais eficiente e mais inclusiva; economicamente viável, social e ambientalmente sustentável. Igualmente contribuirão, na óptica da procura, para melhorar e individualizar a prestação de serviços, para aumentar o carácter impressivo das experiências dos utentes e para intensificar o resultado do marketing personalizado e de proximidade.

Em associação - e porque os meios de acesso à informação, a decorrente gestão e a sua consequente comunicação serão cada vez mais poderosos (e.g. web apps, plataformas baseadas na cloud, redes sociais, aplicativos mobile, tecnologia beacons, chabbots, entre outros) - novas necessidades no âmbito das competências técnicas e científicas exigidas aos profissionais do turismo surgirão ou reforçar-se-ão a prazo: gestão e análise de Big Data, e-marketing, web design, gestão de redes, engenharia de aplicativos, e muitas outras que, em súmula e no seu conjunto, requererão, no futuro, uma sólida formação científica, tecnológica e matemática (CTEM - ciências, tecnologias, engenharia e matemática).

Neste novo quadro turístico em que todos - profissionais e turistas - terão, através dos potentes dispositivos móveis que nos aguardam, acesso a tudo e a todo o momento, as técnicas de comunicação, distribuição e de fidelização dos clientes verão, não só as suas importâncias acrescidas, mas também os seus métodos e veículos modificados. Neste último aspecto, há que referir como particularmente relevante a utilização do jogo como elemento orientado para o marketing, para além, evidentemente, do seu papel enquanto magnete atractivo e como intensificador de experiências turísticas.

Ainda no âmbito das tecnologias com forte incidência no devir do turismo, é mister referir os drones, em particular, e a robótica, em geral. Todas estas mudanças acolherão - e produzirão - o turista do futuro, o qual, após a fase do visitante formatado pelo turismo de massas, a versão turística do fordismo, evoluiu para um outro patamar - o do período do pós-modernismo turístico - caracterizado, entre outros aspectos, pela individualidade, pela pluralidade, pela mistura do real e do imaginário, bem como pela ausência de regras formatadoras da expressão unitária.

Neste novo contexto pós-fordista, o turista tenderá a ser mais heterogéneo, com mais experiência acumulada, muito mais informado, autónomo e activo, posicionando-se em rede (networked) e dominando as novas e avançadas tecnologias. Num outro plano, desejará relacionar-se, conhecer e partilhar as vivências do destino através da partilha de momentos marcantes e inesquecíveis induzidos pelas emoções, laços, afetos e sensações que decorrerão das experiências que ajudarão a construir e em que imergirão, as quais, em última análise, os transformarão.

Muito mais se poderia avançar sobre o turismo e o turista que nos espera nas esquinas do tempo vindouro, contudo, foi necessário, por economia discursiva, fazer escolhas. Outros colegas, quiçá, neste mesmo espaço e com mais engenho e arte, colmatarão as imensas lacunas que restaram.

Para terminar, importa referir que, tendo em conta a generalização previsível das apostas incidentes no turismo enquanto motor de desenvolvimento, bem como as suas tendências de devir, é razoável esperar, para o amanhã, um notável reforço da sua expressão e da sua valia enquanto indutor e motor de “Felicidade Interna Bruta”. Assim o lado cinzento do turismo seja iluminado, no devir, pela luminescência do seu lado radioso; assim todos queiramos, turistas, empresas, entidades e territórios. Assim a ESHTE corresponda a este desafio.

 

 

 

Fernando João Moreira

Professor Adjunto da Área Científica de Planeamento Turístico

 

[por opção do autor, este artigo segue a grafia anterior ao corrente acordo ortográfico]